quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

As Duas Marmitas

  Dia de chuva, nublado. Ponto de ônibus que nem placa de ponto tem, que dirá um banquinho. Encostada na parede úmida, espero como quem nem quer chegar a lugar algum. Não é incomum que alguma figura notável por olhos atentos e ignorada pelo mundo desça de um ônibus capenga desses. O da vez era um senhorzinho muito magro, só ossos e cartilagem de nariz; Tinha um sorrisinho distraído que vencia a gravidade e duas marmitas, uma em cada mão. Desceu piando nas poças com os pés calçados co chinelos de verão. Sacudiu os pés como se isso fosse capaz de secá-los e olhou para cada lado da estrada como quem ia atravessar. Talvez o sorriso se desse porque faltava pouco para almoçar com alguém. Ou até mesmo, podia almoçar duas marmitas sozinho. De qualquer forma, eu também sorria. No entanto, veio outro ônibus também caindo aos pedaços e ele ergueu o braço com o alter alimentício. Estava mais longe do que eu imaginava. Ele sim tinha que chegar a algum lugar. Já de barriga cheia, talvez eu devesse ir a algum lugar também.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Palavra na Calçada

  Veio aquele grupo de meninos da escola fazendo um estardalhaço típico. Daqueles que a gente até atravessa a rua se não for parte do grupo. Quem se mistura com porco, farelo come, já se diz.

  Um cacheado pegou um graveto e saiu tocando bateria pelo caminho até encontrar para ele uma função mais palpável. Cimento molhado. E lá tem coisa melhor pro moleque marcar? Do lado de umas patinhas de cachorro desavisado, pegou seu galho como se fosse uma varinha mágica e registrou como se fosse a coisa mais simples e óbvia. Não foi seu nome, assinatura ou um desenho entre as milhares de possibilidades. Escreveu "fé" como se achasse ser o que melhor compreendia.

  Talvez fosse fanático demais, embora não parecesse. Às vezes, simplesmente compreendia a fé melhor que carolas. Ou até poderia ser uma mensagem para quem passasse. Palavra aleatória, quem sabe.

  Pergunto-me se alguém há de reforçar o cimento ou mesmo deixar aquilo ali para um monte de outras pessoas acharem que é um lembrete. Nada disso parece assim tão importante, mas um cronista acha inusitado até o jeito que uma folha cai, que dirá uma palavra escrita na calçada.


Maria Clara L.