domingo, 14 de dezembro de 2014

Conhecer

Não o conheço.
Meus olhos não o conhecem de forma alguma.

Ainda assim, meu corpo reage a tua presença,
A tua simples menção e memória.
Engano-me e justifico em vulgaridades,
Afinal ainda é dia para querer-lhe.

Distraio-me e pisco.
Oh, quão grata sou a este movimento involuntário e esclarecedor.
Com os olhos fechados tudo se torna claro:
Não lhe conheço o corpo.
Eu lhe conheço a alma.


Por: Maria Clara L.

Mergulho

Os férteis sais em meus olhos
Multiplicam o oceano que contenho.
Afundo no impensável e não me molho,
Entristeço sem mudar o cenho.

O céu é pura rocha,
Impenetrável é o meu lugar.
O mar me aclama,
E eu sou Ismália.

Todos os sorrisos são tristes,
Tenho medo de todos os corpos.
Ainda mais aversão pela alma do forte.

Nunca senti nada real,
E o tom denuncia o fatal:
Apenas vivi enquanto estava na morte.

Por: Maria Clara L.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Poço de Tinta

Triste é a caneta que não faz poesia,
Que não faz arte ou que não cria.
De nada vale cem páginas,
Dez provas zeradas ou uma questão.
Caneta que não produz expressão
Copia e se reduz,
Se fere, se acaba,
E morre sem luz.

Lânguida Infante

Olhos mascarados com doce languidez,
Corpo e compostura que atua e insinua.
O orgulho se remonta em altivez
E a pulsação desconta: "Sou tua, sou tua".

Seus lábios vertiginosos de criança que mente
Negam até o fim sua condição de amante.
Ocultam a angústia corrente
De seu pequeno coração infante.

Até mesmo olhar singelo
De suposta compreensão
Se transforma em megaevento
Na vida de que conhece a solidão,

Por suas paixões, insinuou-se ardilosa
Meninice convertida em tentação ruidosa
Com seus impulsos contidos por teimosia juvenil
Tanto fez que aos desejos e vícios o outro sucumbiu.

Por: Lucia Cordato

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Queria ser Flor

Não queria ser gente. Queria ser flor.
Não queria ser carne. Queria ser flor.
Não queria ser podre, adoecida. Queria ser flor.
Viver no mundo, não matar, não destruir, não ferir. Queria ser flor.
Queria cumprir minha função. Embelezar, atrair, perfumar, reproduzir, agradar, dar frutos. Queria ser flor.
Não sentir, apenas deixar. Não sofrer, nem afazer. Queria ser flor.
Ter uma vidinha que continuaria sem sentido, não me engano. Mas ser ciclo. Ciclo belo e de beleza profunda. Sem filosofias melancólicas. Queria ser flor.
Simples e suficiente. Vivo sem notar. Morro sem perceber. Me disperso, agora sou ar. Sou vento, sou mar, sou terra, sou ser.
Sou flor.

Por: Maria Clara L.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Autonômato

Sou autônomo
Autocorrigido e autoavaliado
O Estado me condiz
O agir bem calculado
Conheço as leis que eu mesmo quis

Sou autônomo
Sou ser, sou homem, cidadão
Com o sistema satisfeito
Meus desejos são direitos
Manifesto aprovação

Sou autônomo
Abri mão da liberdade
Pela paz e segurança
Muito mais livre sou agora
Diante de tamanha temperança

Sou autônomo.

Sou autônomo?
Posso ser punido, posso ser julgado
Competente e incapaz
O agir bem controlado
A conhecer as leis me obrigais

Sou autônomo?
Sou ser, sou homem, cidadão
Pelo sistema desprezado
Meus desejos não acatados
Manifesto: voz de prisão

Sou autônomo?
Abriram mão de minha liberdade
Por sua paz e segurança
Forçado voto em alguém
Que não merece minha esperança

Sou autômato.


Por: Maria Clara L.

domingo, 16 de novembro de 2014

América Latina

O ouro escorre como suor
Tire tuas armas de mim
Muito sangue já despejou assim

Frontes douradas, sublime ao Sol
Os sonhos esperam o porvir
Solte as amarras, me deixe ir
Deixe que pense por si

Assim eu me envolvo e permaneço
Apeteço-me em deixar
No mundo é difícil obter o que eu
Posso chamar de lar

Passado, presente, futuro
Hei de estar, hei de ser
O sentimento me sonda e me prende a você

Caminho e o vento alivia a mente
A força anuvia o pesar
Enrosca com a energia ardente no ar

O sangue latino pressiona as veias
O brilho solar deslumbra os olhos
América, ouça o que digo: não te renegues.


Por: Maria Clara L.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Súcubo Angélico

Despretencioso coloca-se
Na vida imaculada.
Apresenta-se como passageiro devir.
Acomoda-se como dependência devastadora.


Mesmo quando me vira as costas
Grata me encontro pelo deslumbre de sua morfia.
Se tua alma esculpira-se como a visão que lhe tenho
Intensificas sem pudor meu ensejo.


A sonoridade de tua voz
Desola-me o peito,
Corrompe-me a mente,
Isola-me do fulgor tranquilo.


O mais singelo dos teus olhares
Arrebata-me a pureza.
Depravara o anjo casto.
Coroara a súcubo impune.






Por: Lucia Cordato

O Mal do Mundo

Indigna é a besta
Que encanta os olhos
E seduz a alma.
Depravado é teu pedestal.


Incorporo e desconstruo,
Ascendo e declino.
Levo nas mãos a ruína e o caos
No semblante sutil, a paz.


Dicotômica lhe sinto
A questão se avultua
Se lhe sou,
Por que tão perversa se insinua?


Rogando misericódia,
Perdão pelos pecados da carne,
Pelos delírios da mente.
Arrebatada fora
A criatura do mundo.






Por: Maria Clara L.



sábado, 30 de agosto de 2014

Regina

Constelações incaracterizáveis,
Luminescência ao olhar.
Silhueta infinda
De tão paradoxa criatura.

Portais embarreirados,
Embrutecidas muralhas.
O implorar ao inimigo
Que acolhe, mas traz a mortalha.

"Quanto ao teu propósito,
Que não concretizas,
Serias tu vão incapaz
Ou direcionaste errado a vida?"

Despudorada é a chama irrefreável
Da maleável existência.
Incerto é o destino
Da questionável pertinência.

sábado, 23 de agosto de 2014

Sala Vazia

Sala Vazia.
Paredes Brancas.

Ofuscada pela luz.
Iluminada pela escuridão.

Alguns entram,
Outros saem.
Poucos compreendem.

Gradativamente, o nada se preenche:
Memórias, pensamentos, lembranças.
Logo, se esvazia.

O abrigo em um terreno de caos
Permanece em seu ciclo vicioso.

Sala repleta de tudo.
Sala repleta de nada.
Sala repleta de mim.
Eu repleta de salas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Pequena Reflexão Sobre "O Espelho"

  Para muitos, reter a atenção na duplicata de si do outro lado do espelho é uma tarefa árdua. Ocultamos de nós mesmos não apenas nossas aparências, mas também o que há em nós que esta pode exibir levianamente sem permissão; Por que é tão difícil admitir nossos frangalhos e subtraí-los até que não mais existam?
  Encaro-me e vejo no fundo de meus olhos  breve ensejo de tornar nítido o que ainda me torna turva.

Pequena Reflexão Sobre "A Contemplação do Outro"

  Defronte à alma alheia, a precisão do momento leva-nos ao riso em demasia. Não é simples conceber que aquele com quem lidamos diariamente possui dilemas assim como nós mesmos. E é ainda mais difícil ter a concepção de que, por mais que se queira, não se pode envolver as almas de zelo e protegê-las da cadência humana.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A Companhia

Acompanhe-me nas danças solitárias,
Proteja-me de minhas próprias lamentações
E preencha meus lábios com seu amor
Quando minhas palavras forem vazias.

Que eu possa ser envolvida em teu abraço
E sentir o palpitar irregular e musical de teu coração,
Tua respiração forte e a vibração da tua voz,
Que invade meu corpo e transborda-me
Com a melodia e os sentimentos contidos.

Almejemos o alcançar, o querer, o viver real,
E que possamos juntos conhecer,
Sentir e compreender um mundo só nosso.
Um mundo de amor.
Um mundo de sonhos.
Um mundo de liberdade,
Pura e plena.

Escrito por: Lucia Cordato.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Obsessões

Absorvo tua essência vigorosa
Até que se dissolva em meus lábios
E penetre as mucosas de minha memória.

Atenuas a dor e a solidão,
De tal forma que as desprezo constantemente.
Porém, distante de teus olhos,
A tristeza sufoca-me mais que teus abraços.

És obsessão aterradora
Que transporta princípios
E traz consigo o mais puro e irrefreável desejo.

Escancara minha mente para as mais amplas ideias,
E paralisa-me com o medo:
O terror de prosseguir com esta loucura.

Entretanto, de bom grado abstenho-me da sanidade
Se alternarmos o pertencimento de nossas almas
Em uma congruência sem fim.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A Essência da Agonia

Visitaste o receptáculo do vazio,
Tocaste minha pele sem temor.
Faça-me despir esta dor,
Mas não sem antes permitir que eu sinta esta última agonia.

Dei-lhe meu fôlego mais profundo,
Provocaste a mais obscura obsessão,
E preencheste ainda a solidão da alma
Com seu veneno de pura satisfação.

Diante das piscinas sem cor de teus olhos
Eu implorei que permanecesse.
E, como se nunca ousasse aparecer,
Partira.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Crônica do Terapeuta

  Lucia entrou no consultório batendo as portas, dispensou os cumprimentos educados da secretária e ignorou os demais pacientes. Contrariamente, seu terapeuta recebeu-a com um sorriso conformado:
  - Surpreende-me! Como você está?
  - Caso estivesse bem, lhe traria flores ou chocolates, ou nem ao menos me daria ao trabalho de vir.
  - O que lhe perturba?
  - Estou louca, doutor! Louca! - bateu as mãos na mesa.
  - Isto não está anotado nos meus diagnósticos. - ele analisou calmamente um bloco repleto de informações apenas da mulher.
  - Então anote! Ora, doutor! Não é nem capaz  de anotar o mais óbvio! Por que ainda me consulto com o senhor?
  - Mas, Lucia...
  - Deixe-me falar!
  - Pois que fale. - suspirou cansado daquela situação que se repetia constantemente.
  - O que digo não tem sentido algum, distraio-me com o que há de mais desprezível, penso sempre nas mesmas situações e até sonho com elas, doutor! - deixou-se cair na poltrona macia, frustrada. - Além disso, estou apaixonada por um estranho.
  - É apenas uma paixão platônica. Não é a primeira vez que acontece.
  - Mas é claro que é! Dessa vez é diferente! - Lucia cruzou os braços.
  - Sempre é diferente, mas sempre é igual.
  - É diferente de verdade, doutor. Eu o conheci antes.
  - Então como pode ser um estranho?
  - Exatamente! Como posso amá-lo assim? - ela respirou fundo e pegou alguns doces que haviam no pote sobre a mesa, mastigando-os nervosamente.
  - Ama-o pelo que conheceu.
  - Mas nem ao menos me recordo! Recordo-me apenas de sua alma...
  - Alma?
  - Sim, eu a vi claramente! Inacreditável, não é? - ela sentou-se de forma mais ereta e sorria, os lábios brilhando com o açúcar dos doces.
  - Lucia, você tomou seus remédios? - o médico mexeu em sua gaveta, preparando-lhe as doses.
  - Já tomei, e pare de me oferecer remédios! De nada ajudam. - ela ergueu-se, recuperando sua irritação  e jogando a dose no carpete.
  - Não minta para mim.
  - Como quiser: não tomei nada. Mas também não irei me medicar!
  - E por quê?
  - Porque sou louca e loucos não obedecem ordens.
  O terapeuta respirou fundo, bebeu um gole de seu café e prosseguiu, já acostumado com a ladainha da paciente.
  - Lucia, como posso trata-la se você não toma os medicamentos que receito? Se nem ao menos procura se acalmar?
  - Porque você não me ouve, doutor!
  - Como não?
  - Sou louca! Tão louca que o senhor não reparou nem no pior!
  - E o que é?
  - Todo este tempo, eu estive falando sozinha.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Soneto ao Sentir


Liberte agora o suspiro sem fim.
A dormência adormece
E a beleza que fere
Se apodera de mim.

Força que queima,
Reina, treina o sentir.
Apetece-me o dia
Que não me embriago de ti.

Entorpece-me os sentidos.
Que leve contigo
Toda a razão.

Se puder, livre-se dela, descarte, que mate.
Apenas trate de prolongar
A pungente sensação.


Texto por: Lucia Cordato

Cantiga ao Mau Amigo

Partiste, sem hesitar.
Voltaste, sem refletir.
Jamais soubera amar,
Jamais se quer soubera sentir.

Oh, gentil senhor,
Tu não te preocupaste
Nem ao menos em provar teu valor.
Menos ainda em privar-me da dor.

Galante mentira,
Para que se acomodaste
Já ciente da vindoura despedida?

Inesperada atração,
Para que tão pungente
Se não és concreta até então?


Texto por: Lucia Cordato

Ao Menos Por Um Momento

Camuflou-se sob o manto da ausência.
Calçou o ódio que sentia,
Caminhou sob os que lhe amavam.

Diga-me o preço da solidão,
Que, ao menos por um momento,
Hei de vendê-la.

Ao menos por um momento,
Que me tome por sua,
Desde que esteja completo.
Mesmo que seja por meu próprio delírio:
Do mais primitivo ao recém desperto.

Não quero um só pedaço
Ou o mais vulgar dos teus restos.
Quero-te sem limitações,
Quero-te inteiro.

Não quero suportar a culpa que me concedeste.
Mas, acima de tudo,
Não quero carregar o peso do teu vazio.

Quero-te da forma mais absoluta,
E, ainda assim,
Da forma mais livre de todo arrependimento e hesitação.

Nem que seja ao menos por um momento.


Texto por: Lucia Cordato
Produzido em: 01/05/2014